Um dia inteiro para morrer completamente: a finitude nas artes

ILCML

Muito antes de se tornarem um tema artístico, as noções de morte e de finitude ficaram associadas ao traço e à mancha. Ainda não existia o que entendemos actualmente por literatura e arte, e já palavras, linhas e figuras eram inscrição da memória dos seres humanos e testemunho da sua mortalidade, representando ou duplicando os corpos dos mortos, como se através daquelas se pretendesse suplantar o vazio ou o abismo presentificado por estes.

Com o desenvolvimento das diferentes práticas e géneros artísticos, os tópicos da morte e da finitude ganham novas formas e expressões. Na pintura, a efemeridade da vida é tematizada, por exemplo, pelas naturezas mortas ou pelas vanitas, retomadas por diversas tradições pictóricas, transitando até para outras artes ou media, como a escultura e o vídeo. A fotografia, por sua vez, devido ao seu problema ontológico – por expor a um só tempo o actual e o virtual, o presente e o ausente –, exibe a sua dimensão espectral, coincidente com a dos corpos/referentes (expoente máximo dessa possibilidade, as fotografias post mortem da época vitoriana). Na literatura, a morte é motivo permanente, quer como questão privilegiada por movimentos como o Romantismo, quer como noção que metaforiza as experiências modernas de escrita. Casos há mesmo de textos pelos quais se pretendeu dar voz aos mortos, como A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Húmus, de Raúl Brandão, Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Herdeiro das problemáticas da fotografia, o cinema terá retomado também alguns dos temas da pintura e da literatura (tomemos como exemplos algumas das obras de Carl Theodor Dreyer, Ingmar Bergman, Andrei Tarkovsky, Lars Von Trier, Harun Farocki ou Luchino Visconti).

Como se pode intuir através deste pequeno sumário, as relações da escrita e da imagem com a morte são antigas e múltiplas, como são inumeráveis as figurações da finitude nas artes. Assim sendo, esta Jornada pretende reunir investigadores de várias disciplinas e promover o debate entre as suas diferentes perspectivas relativamente a este tema. Tal como o poema de Herberto Helder, de onde tirámos de empréstimo o verso que nos serve de título, procuraremos pensar as figurações da morte. Dedicaremos um dia das nossas vidas a essa difícil tarefa: um dia inteiro para reflectir sobre a finitude nas artes.

O programa pode ser consultado aqui.

Organização: 
Elisabete Marques (UP/ILCML)
Fernando Velasco (UP/ILCML)
Rosa Maria Martelo (UP/ILCML)